terça-feira, 27 de setembro de 2016

A Mordida e o Veneno


 


Foi ofendido. Ouviu o que não devia e um pouco do que precisava. Foi humilhado, injustiçado, e aquilo bateu forte dentro de si. Acabada a refrega, terminada a contenda, cada um para seu lado e nosso protagonista segue, mordido. Mordido passará a semana, e aquela dor o atormentará, no lazer, no trabalho, no estudo, convertendo-se em um veneno, uma peçonha destilada nas falas, narrações infinitas do fato tormentoso que tanto o machucou.

O trecho narrado se encaixa em diversos personagens, nas lutas cotidianas, nos desentendimentos comuns da vida do trabalho, da escola, da casa espírita e que servem de palco para espetáculos lamentosos, com frases desnecessárias, que terminam por deixar o indivíduo “mordido”, magoado com aquilo tudo e encontrando como solução, espalhar seu veneno por todo seu entorno.

O orgulho ferido figura como causa essencial dessa situação. Afetados em nossa postura, ao invés de buscar a reflexão, partimos para a contra-argumentação, como meninos mimados, a medir espaços com nossos opositores, querendo a réplica, a tréplica, dessa nossa batalha individual. Seguimos sangrando, querendo a revanche da situação que nos abalou, engendrando na mente cenários de como foi ou de como deveria ter sido, massageando medos e inseguranças, centrando na disputa e pouco em soluções.

A capacidade de perdoar e de reconstruir relações se apresenta como competência cicatrizante para estancar a mordida e impedir que esse veneno se espalhe na fofoca e na maledicência. Perdoar é uma ciência que precisamos aprender, e exercitar, setenta vezes sete vezes, como já dito por Jesus.

Passar uma borracha, reiniciar entendimentos, ceder e negociar são ações essenciais aos que buscam a paz e a produtividade nas relações. Pensar nas tarefas, no grupo, nos contextos, sopesando isso com o que motivou o entrevero, é uma postura madura em casos de atritos entre as diversas equipes de trabalho, e que permite relevarmos os problemas, colocando-os no seu devido lugar.

Por vezes, ficamos sem falar com uma pessoa, magoados, e já nem nos lembramos do por quê. Antipatias e questões comezinhas servem de combustível para contendas que se arrastam e que têm a sua gênese, de fato, nas nossas imperfeições, na intolerância, na inveja e no ciúme, e que têm como estopim, por vezes, as questões menores.

No trabalho espírita, diante de um impasse, de um conflito, fujamos do padrão de trocas de impropérios, seguida da mágoa e da fofoca, na polarização destrutiva. Respeitemos o dissenso, como natural das relações, e valorizemos o diálogo, a indulgência e, ainda, a maturidade que nos permite sair do calor do momento e retornar à vida que segue.

O Cristo falou do perdão e do amor aos semelhantes. Kardec nos brindou com a valorização da argumentação e da humildade. Na casa espírita, na busca da construção do homem de bem, na realização de tarefas com amigos de cá e de lá, não se justifica o “climão” após reuniões com ideias divergentes, e sim a busca do diálogo e da reflexão, como forma de aprimoramento contínuo.

Certamente, sabemos que isso é difícil... Mordidos ficamos e arrastamos essa ferida por anos a fio.

Sofremos e fazemos sofrer, no veneno da maledicência, esquecendo a lição do perdão e de como pesam no coração o rancor e a mágoa. Mas reconhece-se o verdadeiro espírita pelo seu esforço, e aí reside toda a nossa força.



MARCUS VINICIUS DE AZEVEDO BRAGA


Obs.: Crônica retirada do site O Consolador – www.oconsolador.com.br
(texto grifado por Helena Sousa; a imagem foi a que o cronista utilizou)
 

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