quinta-feira, 25 de maio de 2017

Diálogos com o Espírito de Bertrand Russell


Diálogos com o Espírito de Bertrand Russell
Filósofo que na Terra foi ateu e materialista



            Em o Livro dos Médiuns, item 292, que fala sobre a sorte dos Espíritos temos as seguintes orientações:

          21ª Podemos pedir aos Espíritos informações sobre a situação em que se encontram no mundo dos Espíritos?

          "Sim, e eles os dão de bom grado quando o pedido é ditado pela simpatia, ou o desejo de ser útil, e não pela curiosidade."

          22ª Podem os Espíritos descrever a natureza de seus sofrimentos ou de sua felicidade?

         “Perfeitamente, e as revelações desta espécie são um grande ensinamento para vós, porque vos iniciam no conhecimento da verdadeira natureza das penas e das recompensas futuras; destruindo as falsas ideias que fazeis a esse respeito, elas tendem a reanimar a vossa fé e a vossa confiança na bondade de Deus. Os bons Espíritos se sentem felizes em vos descrever a felicidade dos eleitos; os maus podem ser constrangidos a descrever seus sofrimentos, a fim de provocar neles o arrependimento; nisso encontram eles, às vezes, até uma espécie de alívio: é o desgraçado que se lamenta, na esperança de obter compaixão.

        Não esqueçais que o fim essencial, exclusivo, do Espiritismo é a vossa melhora e  é para o alcançardes que é permitido aos Espíritos vos iniciar na vida futura, oferecendo-vos exemplos de que podeis aproveitar. Quanto mais vos identificardes com o mundo que vos espera, menos lamentareis esse onde agora estais. Eis, em suma, o objetivo atual da revelação."

        Pois bem, seguindo essas orientações dadas pela Ciência Espírita, em nosso grupo evocamos o Espírito de um filósofo contemporâneo, que na Terra foi ateu e materialista, a fim de obter informações sobre sua passagem ao mundo dos Espíritos.
         
          Eis aqui alguns dados biográficos do filósofo que evocamos:

          Nascido em 1872 e falecido em 1970, Bertrand Russell foi um influente matemático, filósofo ateu e lógico que viveu no século XX. Popularizou a filosofia e a física, em livros de divulgação científica. Publicou mais de 40 livros a respeito de temas tão variados como educação, política, história, religião, ética, casamento e ciência. Sua grande contribuição, no entanto, deu-se no campo da lógica matemática e da filosofia analítica, de que foi um dos fundadores. Foi o vencedor, em 1950, do Premio Nobel de Literatura. Russell opôs-se constantemente à existência de armas nucleares desde a sua primeira utilização. Em 1955, Russell lançou o Manifesto Russell-Einstein, co-assinado por Albert Einstein e outros nove cientistas e intelectuais notáveis, um documento que levou à primeira das Conferências Pugwash sobre Ciência e Assuntos Mundiais em 1957.

        Em 1958, Russell tornou-se o primeiro presidente da Campanha para o Desarmamento Nuclear. Demitiu-se dois anos mais tarde, quando o CDN não o apoiou em um ato de desobediência civil, e formou o Comitê dos 100. Com quase noventa anos, em setembro de 1961, ele foi preso por uma semana por incitar a desobediência civil e por ter participado de uma grande manifestação chamada ban-the-bomb no Ministério da Defesa, mas a sentença foi anulada por causa de sua idade já avançada.

          No dia 30 de setembro 2008 Russell foi evocado na intimidade, por um dos médiuns do GEAK, para que falasse da sua passagem ao mundo dos Espíritos. Ele ditou o que se segue:

       Morrer é despir-se. É transitar nu em avenida movimentada. Uma nudez estranha, poderosa, constrangedora. A morte do materialista é difícil, mas por um lado melhor do que a de muitos espiritualistas. Quem se dedicou para merecer o céu, às vezes não o encontra, enquanto quem esperava desfazer-se não mergulha no nada, mas no todo. Minha morte foi isso: um mergulho em um mar gelado e real de vida incessante (e nu, como havia dito).

      Confesso que a proximidade do fim produz pensamentos contraditórios. As verdades consagradas tendem a perder a força, dando lugar a receios, desconforto e (para meu desespero) esperança. Esta gota de orvalho que refrescou minha alma na passagem colocou-me em situação inusitada: misto de entrega ao abismo com expectativa de algo novo. O corpo se despede da alma ainda a desejando. São como dois amantes que, mesmo sabendo da impossibilidade de continuar a relação, ainda arriscam beijos demorados de uma despedida inevitável que desejam prolongar.

        A nudez gélida na sibéria da realidade sacudiu-me. Estava vivo. Estava feliz. Como isso? Nada de céu, nada de Inferno. Sem anjinhos robustos a me esperar; sem criaturas chifrudas no meu encalço. Somente o frio e a solidão de minhas inquietações naquele momento novo.

        Passado esse período, que não posso precisar o tempo de duração, recebi visitas agradáveis e logo pude locomover-me para encontrar queridos amigos que, àquela altura já sabia, estavam vivos como eu. Experiências e experiências de felicidade! Venturoso é aquele que encontra seus amores e dialoga com seus pares: uma nova Matemática, uma nova Filosofia, um novo saber científico, uma nova expressão do amor. Bebi nas fontes mais puras da Sabedoria. Conheci relatos de cristãos da primeira hora, conheci passagens belíssimas dos ensinos de Buda. Dialoguei com Sócrates.

       O que é a morte? Para mim é vida. É estar religado ao Universo sem amarras, sem tormentos, sem necessidades, sem anseios.

         Perguntas-me como descobri Deus.

       Eu não o descobri. Ele se desvela. Ele se mostra. Ele é a totalidade racional que a razão obscurecida pela matéria e por nossos vícios não entende. Deus é o mais precioso mistério; é a abundante vida que todo ser aspira. Deus é o que nunca podemos ser, mas o que sempre podemos tocar, sentir, respirar. Deus foi o calor que senti após a gélida travessia. Em Deus repousa o sentido, e é nele que a busca cessa.

Russell.
Psicografada pelo Sr. C. C. M., em 30 de setembro de 2008.

     Observação: Evocamos esse filósofo muitas outras vezes, por diversos médiuns, e obtivemos dele instruções valiosas sobre temas morais, que compartilharemos com os usuários do IPEAK em breve.


 Visto em http://ipeak.net/ - 25/05/2017

domingo, 21 de maio de 2017

O Céu

 (Para ler no IPEAK, clique no link acima)

            1. - A palavra céu aplica-se em geral ao espaço indefinido que circunda a terra, e mais particularmente à parte que fica acima de nosso horizonte; vem do latim coelum, formado do grego coïlos, oco, côncavo, porque o céu parece aos olhos uma imensa concavidade. Os antigos acreditavam na existência de vários céus superpostos, compostos de matéria sólida e transparente, formando esferas concêntricas cujo centro era a Terra. Essas esferas girando em torno da Terra arrastavam consigo os astros que se encontravam em seu circuito.

Essa ideia, devida à insuficiência dos conhecimentos astronômicos, foi a de todas as teogonias que fizeram dos céus, assim escalonados, os diversos graus da beatitude; o último era a morada da suprema felicidade. Segundo a opinião mais conhecida, havia sete; daí a expressão: Estar no sétimo céu, para exprimir uma bem-aventurança perfeita. Os muçulmanos admitem nove céus, em cada um deles aumenta a felicidade dos crentes. O astrônomo Ptolomeu[1] contava onze, dos quais o último era chamado Empíreo[2], por causa da resplandecente luz que aí reina. Ainda hoje é o nome poético dado ao lugar da glória eterna. A teologia cristã reconhece três céus; o primeiro é o da região do ar e das nuvens; o segundo é o espaço onde se movem os astros; o terceiro além da região dos astros é a morada do Altíssimo, a morada dos eleitos que contemplam Deus frente a frente. É de acordo com esta crença que se diz que São Paulo foi transportado ao terceiro céu.

         2. - As diferentes doutrinas referentes à morada dos bem-aventurados repousam todas sobre o duplo erro de que a terra é o centro do universo, e que a região dos astros é limitada. É além desse limite imaginário que todas colocaram esse domicílio afortunado e a morada do Onipotente. Singular anomalia que coloca o autor de todas as coisas, aquele que as governa todas, nos confins da criação, em vez de colocá-lo no centro de onde a irradiação de seu pensamento podia se estender a tudo!
       
         3. - A ciência, com a inexorável lógica dos fatos e da observação, levou suas luzes até às profundezas do espaço, e mostrou o vazio de todas essas teorias. A terra não é mais o eixo do universo, mas um dos menores astros rolando na imensidão; o próprio Sol não é mais do que o centro de um turbilhão planetário; as estrelas são inúmeros sóis em torno dos quais circulam mundos incontáveis, separados por distâncias somente acessíveis ao pensamento, embora nos pareçam tocar-se. Neste conjunto, regido por leis eternas onde se revelam a sabedoria e a onipotência do Criador, a Terra aparece apenas como um ponto imperceptível, e um dos menos favorecidos para a habitabilidade. Desde logo se pergunta por que Deus teria feito dela a única sede da vida, e para aí teria relegado suas criaturas prediletas. Tudo, ao contrário, anuncia que a vida está em toda a parte, que a humanidade é infinita como o universo. Revelando-nos, a ciência, mundos semelhantes à Terra, Deus não podia tê-los criado sem objetivo; ele deve tê-los povoado com seres capazes de governá-los.

         4. - As ideias do homem são em razão do que ele sabe; como todas as descobertas importantes, a da constituição dos mundos deve ter-lhes dado outro curso. Sob o império desses novos conhecimentos, as crenças devem ter-se modificado: o céu foi deslocado; a região das estrelas, sendo sem limites, não pode mais servir-lhe? Onde está o céu? Diante desta pergunta, todas as religiões emudecem.

         O Espiritismo vem resolvê-la demonstrando o verdadeiro destino do homem. A natureza deste último, e os atributos de Deus sendo tomados por ponto de partida, chega-se à conclusão; ou seja, partindo do conhecido chega-se ao desconhecido por uma dedução lógica, sem falar das observações diretas que o Espiritismo permite fazer.

         5. - O homem é composto de corpo e de Espírito; o Espírito é o ser principal, o ser de razão, o ser inteligente; o corpo é o envoltório material que o Espírito reveste temporariamente para o cumprimento de sua missão na terra, e a execução do trabalho necessário ao seu avanço. O corpo, gasto, destrói-se, e o Espírito sobrevive à sua destruição. Sem o Espírito, o corpo não é mais do que uma matéria inerte, como um instrumento privado do braço que o faz agir; sem o corpo, o Espírito é tudo: a vida e a inteligência. Deixando o corpo, ele volta ao mundo espiritual de onde saíra para se encarnar.

         Há portanto o mundo corporal, composto dos Espíritos encarnados, e o mundo espiritual, formado pelos Espíritos desencarnados. Os seres do mundo corporal, devido a seu envoltório material, estão ligados à Terra ou a qualquer outro globo; o mundo espiritual está em toda a parte, à nossa volta e no espaço; nenhum limite lhes é designado. Devido à natureza fluídica de seu envoltório, os seres que o compõem, em vez de se arrastar penosamente pelo chão, vencem as distâncias com a rapidez do pensamento. A morte do corpo é a ruptura dos vínculos que os mantinham cativos.

         6. - Os Espíritos são criados simples e ignorantes, mas com a aptidão de adquirir tudo e de progredir, em virtude de seu livre-arbítrio. Pelo progresso, eles adquirem novos conhecimentos, novas faculdades, novas percepções, e, por conseguinte, novos prazeres desconhecidos dos Espíritos inferiores; eles veem, ouvem, sentem e compreendem o que os espíritos atrasados não podem ver, nem ouvir, nem sentir, nem compreender. A felicidade é proporcional ao progresso realizado; de modo que, de dois Espíritos, um pode não ser tão feliz quanto o outro, unicamente porque não está tão avançado intelectual e moralmente, sem que eles precisem estar cada qual num lugar distinto. Embora estando um ao lado do outro, um pode estar nas trevas, ao passo que tudo é resplandecente à volta do outro, absolutamente como para um cego e alguém, que vê que se dão as mãos: um percebe a luz, a qual não faz nenhuma impressão no seu vizinho. Sendo a felicidade dos Espíritos inerente às qualidades que eles possuem, eles a obtêm em toda parte onde se encontrem, na superfície da Terra, em meio aos encarnados ou no espaço.
 
         Uma comparação vulgar fará compreender ainda melhor esta situação. Se num concerto se acham dois homens, um, bom músico com ouvido treinado, o outro sem conhecimento de música e com o sentido da audição pouco delicado, o primeiro experimenta uma sensação de felicidade ao passo que o segundo permanece insensível, porque um compreende e percebe o que não causa nenhuma impressão no outro. Assim se dá com todos os gozos dos Espíritos que são proporcionais à aptidão de senti-los. O mundo espiritual tem esplendores em toda parte, harmonias e sensações que os Espíritos inferiores, ainda submetidos à influência da matéria, nem mesmo entreveem, e que são acessíveis somente aos Espíritos depurados.

         7. - O progresso, entre os Espíritos, é fruto de seu próprio trabalho; mas, como eles são livres, trabalham em seu próprio avanço com mais ou menos atividade ou negligência, segundo sua vontade; apressam assim ou retardam seu progresso, e em consequência sua felicidade. Enquanto uns avançam rapidamente, outros ficam estagnados por longos séculos nas posições inferiores. São, portanto, os próprios artífices de sua situação, feliz ou infeliz, segundo esta máxima do Cristo: “A cada um segundo suas obras!” Todo Espírito que fica para trás só pode acusar a si mesmo, assim como aquele que avança tem todo o mérito por isso; a felicidade que conquistou tem ainda maior valor para ele.

         A bem-aventurança suprema é a partilha apenas dos Espíritos perfeitos, ou em outras palavras, dos puros Espíritos. Eles só a atingem depois de terem progredido em inteligência e em moralidade. O progresso intelectual e o progresso moral raramente andam lado a lado; mas o que o Espírito não faz num tempo, ele o faz num outro, de modo que os dois progressos acabam por atingir o mesmo nível. É por essa razão que se veem frequentemente homens inteligentes e instruídos, muito pouco avançados moralmente, e reciprocamente.

         8. - A encarnação é necessária ao duplo progresso moral e intelectual do Espírito: ao progresso intelectual, pela atividade que ele é obrigado a desenvolver no trabalho; ao progresso moral, pela necessidade que os homens têm uns dos outros. A vida social é a pedra de toque das boas e das más qualidades. A bondade, a maldade, a doçura, a violência, a benevolência, a caridade, o egoísmo, a avareza, o orgulho, a humildade, a sinceridade, a franqueza, a lealdade, a má fé, a hipocrisia, numa palavra, tudo o que constitui o homem de bem ou o homem perverso tem por motor, por objetivo e por estimulante as relações do homem com seus semelhantes; para o homem que vivesse sozinho, não haveria vícios nem virtudes; se, pelo isolamento, ele se preserva do mal, anula o bem.

         9. Uma única existência corporal é manifestamente insuficiente para que o Espírito possa adquirir todo o bem que lhe falta e desfazer-se de tudo o que nele é mau. Poderia o selvagem, por exemplo, numa única encarnação atingir o nível moral e intelectual do europeu mais avançado? Isso é materialmente impossível. Deve ele então permanecer eternamente na ignorância e na barbárie, privado dos gozos que só o desenvolvimento das faculdades pode propiciar? O simples bom senso repele tal suposição, que seria ao mesmo tempo a negação da justiça e da bondade de Deus, e a da lei progressiva da natureza. É por isso que Deus, que é soberanamente justo e bom, concede ao Espírito do homem tantas existências quantas forem necessárias para atingir o objetivo, que é a perfeição.

         Em cada nova existência o Espírito traz o que adquiriu, nas precedentes, em aptidões, em conhecimentos intuitivos, em inteligência e em moralidade. Assim, cada existência é um passo adiante na via do progresso.[3]
 
         A encarnação é inerente à inferioridade dos Espíritos; ela não é mais necessária para aqueles que ultrapassaram seu limite e que progridem no estado espiritual, ou nas existências corpóreas dos mundos superiores que não têm mais nada da materialidade terrestre. Da parte destes, ela é voluntária, tendo em vista exercer sobre os encarnados uma ação mais direta para o cumprimento da missão de que estão encarregados. Aceitam suas vicissitudes e sofrimentos por devotamento.

         10. - No intervalo das existências corpóreas, o Espírito volta por um tempo mais ou menos longo ao mundo espiritual, onde ele é feliz ou infeliz segundo o bem ou o mal que fez. O estado espiritual é o estado normal do Espírito, visto que deve ser seu estado definitivo, e que o corpo espiritual não morre; o estado corpóreo é apenas transitório e passageiro. É acima de tudo no estado espiritual que ele colhe os frutos do progresso realizado por seu trabalho na encarnação; é também então que ele se prepara para novas lutas e toma resoluções que se esforçará para pôr em prática no seu retorno à humanidade.

         O Espírito progride igualmente na erraticidade; adquire aí conhecimentos especiais que não poderia adquirir na Terra; suas ideias se modificam. O estado corporal e o estado espiritual são para ele a fonte de dois gêneros de progresso, solidários um do outro; é por isso que ele passa alternativamente por esses dois modos de existência.

         11. - A reencarnação pode ocorrer na Terra ou em outros mundos. Entre os mundos, há os que são mais avançados do que outros, onde a existência se realiza em condições menos penosas do que na Terra, física e moralmente, mas onde são admitidos apenas Espíritos chegados a um grau de perfeição compatível com o estado desses mundos.

         A vida nos mundos superiores já é uma recompensa, pois lá se está isento dos males e das vicissitudes dos quais se é alvo na Terra. Os corpos, menos materiais, quase fluídicos, não estão sujeitos às doenças, nem às enfermidades, nem às mesmas necessidades. Estando os maus Espíritos dali excluídos, os homens vivem em paz, sem outro cuidado senão o de seu avanço pelo trabalho da inteligência. Lá reinam a verdadeira fraternidade, porque não há egoísmo; a verdadeira igualdade, porque não há orgulho; a verdadeira liberdade, porque não há desordens a reprimir, nem ambiciosos tentando oprimir o fraco. Comparados à Terra, esses mundos são verdadeiros paraísos; são as etapas do caminho do progresso que conduz ao estado definitivo. Sendo a Terra um mundo inferior destinado à depuração dos Espíritos imperfeitos, é por essa razão que o mal aí domina até que Deus queira fazer dela a morada de Espíritos mais avançados.

         É assim que o Espírito, progredindo gradualmente à medida que se desenvolve, chega ao apogeu da felicidade; mas, antes de ter atingido o ponto culminante da perfeição, ele goza de uma felicidade relativa ao seu avanço. Tal como a criança saboreia os prazeres da primeira infância, mais tarde, os da juventude, e finalmente os mais sólidos da idade madura.

         12. - A felicidade dos Espíritos bem-aventurados não está na ociosidade contemplativa, que seria, como foi dito muitas vezes, uma eterna e fastidiosa inutilidade. A vida espiritual, em todos os níveis, é ao contrário uma constante atividade, mas uma atividade isenta de fadigas. A bem-aventurança suprema consiste no gozo de todos os esplendores da criação que nenhuma linguagem humana poderia exprimir, que nem a imaginação mais fecunda poderia conceber; no conhecimento e a penetração de todas as coisas; na ausência de toda dor física e moral; numa satisfação íntima, uma serenidade de alma que nada altera; no amor puro que une todos os seres, em consequência da ausência de todo atrito pelo contato com os maus, e acima de tudo na visão de Deus e na compreensão de seus mistérios revelados aos mais dignos. Ela está também nas funções em que se é feliz por ser delas encarregados. Os puros Espíritos são os Messias ou mensageiros de Deus para a transmissão e execução de suas vontades; eles cumprem as grandes missões, presidem à formação dos mundos e à harmonia geral do universo, tarefa gloriosa à qual só se chega pela perfeição. Unicamente os da ordem mais elevada compartilham os segredos de Deus, inspirando-se no Seu pensamento do qual são os representantes diretos.
       
         13. - As atribuições dos Espíritos são proporcionais ao seu avanço, às luzes que possuem, a suas capacidades, à sua experiência e ao grau de confiança que inspiram ao soberano Senhor. Não há privilégio, não há favores que não sejam o prêmio do mérito: tudo é avaliado pela estrita justiça. As missões mais importantes são confiadas somente àqueles que se sabe serem capazes de realizá-las e incapazes de falhar ou de comprometê-las. Enquanto sob o olhar do próprio Deus, os mais dignos compõem o conselho supremo, a chefes superiores é entregue a direção dos turbilhões planetários; a outros é conferida a dos mundos especiais. Vêm a seguir, na ordem do adiantamento e da subordinação hierárquica, as atribuições mais restritas daqueles que são encarregados da marcha dos povos, da proteção das famílias e dos indivíduos, da impulsão de cada ramo do progresso, das diversas operações da natureza até os mais ínfimos detalhes da criação. Neste vasto e harmonioso conjunto, há ocupação para todas as capacidades, todas as aptidões, todas as boas vontades, ocupações aceitas com alegria, solicitadas com ardor, porque é um meio de progresso para os Espíritos que procuram elevar-se.

         14. - Ao lado das grandes missões confiadas aos Espíritos superiores, há as de todos os graus de importância entregues aos Espíritos de todas as ordens; daí se poder dizer que cada encarnado tem a sua, ou seja, deveres a cumprir para o bem de seus semelhantes, desde o pai de família a quem incumbe o cuidado de fazer progredir seus filhos, até o homem de gênio que lança na sociedade novos elementos de progresso. É nessas missões secundárias que se encontram muitas vezes falhas, prevaricações, renúncias, mas que prejudicam apenas o indivíduo e não o conjunto.

         15. - Todas as inteligências concorrem, portanto, para a obra geral, seja qual for o grau a que tenham chegado, e cada uma na medida das suas forças; umas no estado de encarnação, outras no estado de Espírito. Em toda parte a atividade, do ponto mais baixo até o mais alto da escala, todas se instruindo, se ajudando mutuamente, estendendo a mão umas às outras para atingir o cume.

         Assim se estabelece a solidariedade entre o mundo espiritual e o mundo corporal, em outras palavras, entre os homens e os Espíritos, entre os Espíritos livres e os Espíritos cativos. Assim se perpetuam e se consolidam, pela purificação e continuidade das relações, as simpatias verdadeiras, as afeições santas.

         Em toda a parte, portanto, a vida e o movimento; nenhum canto do infinito que não seja povoado; nenhuma região que não seja incessantemente percorrida por inúmeras legiões de seres radiosos, invisíveis para os sentidos grosseiros dos encarnados, mas cuja visão arrebata de admiração e de alegria as almas desprendidas da matéria. Em toda a parte, enfim, há uma felicidade relativa para todos os progressos, para todos os deveres cumpridos; cada um traz em si os elementos de sua felicidade, relativa à categoria em que o coloca seu grau de adiantamento.

         A felicidade deve-se às qualidades próprias dos indivíduos, e não ao estado material do meio onde eles se encontram; ela existe então em toda a parte onde há Espíritos capazes de ser felizes; nenhum lugar circunscrito lhe é designado no universo. Seja qual for o lugar onde se encontrem, os puros Espíritos podem contemplar a majestade divina, porque Deus está em toda a parte.

         16. - Entretanto, a felicidade não é pessoal; se fosse tirada apenas de si mesmo, se não se pudesse compartilhá-la com outros, seria egoísta e triste; ela está também na comunhão de pensamentos que une os seres simpáticos. Os Espíritos bem-aventurados, atraídos uns para os outros pela semelhança das ideias, dos gostos, dos sentimentos, formam vastos grupos ou famílias homogêneas, nas quais cada individualidade irradia suas próprias qualidades, e é penetrada pelos eflúvios serenos e benfazejos que emanam do conjunto, cujos membros ora se dispersam para se dedicarem à sua missão, ora se juntam num ponto qualquer do espaço para comunicarem uns aos outros o resultado de seus trabalhos, ora se reúnem em volta de um Espírito de uma ordem mais elevada para receber seus conselhos e suas instruções.

         17. - Embora os Espíritos estejam em toda parte, os mundos são os centros onde eles se reúnem de preferência, devido à analogia que existe entre eles e aqueles que os habitam. Em torno dos mundos avançados são abundantes os Espíritos superiores; em torno dos mundos atrasados pululam os Espíritos inferiores. A Terra é ainda um destes últimos. Cada globo tem então, de alguma forma, sua própria população de Espíritos encarnados e desencarnados, a qual se alimenta na maior parte pela encarnação e desencarnação dos mesmos Espíritos. Essa população é mais estável nos mundos inferiores onde os Espíritos são mais apegados à matéria, e mais flutuante nos mundos superiores. Entretanto, dos mundos, centros de luz e de felicidade, Espíritos se desprendem rumo aos mundos inferiores para semear neles os germes do progresso, trazer a consolação e a esperança, reanimar as coragens abatidas pelas provações da vida, e às vezes encarnam-se neles para cumprirem sua missão com mais eficácia.

         18. - Nesta imensidão sem limites, onde está então o céu? Está em toda a parte; nenhuma cerca lhe impõe limites; os mundos felizes são as últimas estações que a ele conduzem; as virtudes abrem-lhe o caminho, os vícios proíbem-lhe o acesso.

         Ao lado deste quadro grandioso que povoa todos os cantos do universo, que dá a todos os objetos da criação um objetivo e uma razão de ser, como é pequena e mesquinha a doutrina que circunscreve a humanidade a um imperceptível ponto do espaço, que no-la mostra começando num dado instante para acabar igualmente um dia com o mundo que a sustenta, não abarcando assim senão um minuto na eternidade! Como ela é triste, fria e glacial, quando nos mostra o resto do universo antes, durante e depois da humanidade terrestre, sem vida, sem movimento, como um imenso deserto mergulhado no silêncio! Como é desesperante pela pintura que faz do pequeno número de eleitos devotados à contemplação eterna, enquanto a maioria das criaturas é condenada a sofrimentos sem fim! Como ela é aflitiva, para os corações amantes, pela barreira que coloca entre os mortos e os vivos! As almas felizes, diz-se, pensam somente em sua felicidade; as que são desgraçadas, em suas dores. É de espantar que o egoísmo reine na Terra, quando é mostrado no céu? Quão estreita é então a ideia que ela dá da grandeza, do poder e da bondade de Deus!

         Quão sublime é, ao contrário, a ideia que o Espiritismo dá! Como sua doutrina engrandece as ideias, amplia o pensamento! – Mas quem diz que ela é verdadeira? Inicialmente a razão, a revelação em seguida, depois sua concordância com o progresso da ciência. Entre duas doutrinas das quais uma diminui e a outra amplia os atributos de Deus; das quais uma está em desacordo e a outra em harmonia com o progresso; das quais uma fica para trás e a outra avança, o bom senso diz de que lado está a verdade. Que em presença das duas, cada um, em seu foro íntimo, interrogue suas aspirações, e uma voz interna lhe responderá. As aspirações são a voz de Deus, que não pode enganar os homens.

         19. - Mas então por que Deus, desde o princípio, não lhes revelou toda a verdade? Pela mesma razão de que não se ensina à infância o que se ensina à idade madura. A revelação restrita era suficiente durante um certo período da humanidade; Deus a proporciona às forças do Espírito. Aqueles que hoje recebem uma revelação mais completa são os mesmos Espíritos que já receberam uma revelação parcial em outros tempos, mas que desde então cresceram em inteligência.

         Antes que a ciência lhes tivesse revelado as forças vivas da natureza, a constituição dos astros, o verdadeiro papel e a formação da Terra, teriam eles compreendido a imensidão do espaço, a pluralidade dos mundos? Antes que a geologia tivesse provado a formação da Terra, teriam eles podido desalojar o inferno de seu centro, e compreender o sentido alegórico dos seis dias da criação? Antes que a astronomia tivesse descoberto as leis que regem o universo, teriam eles podido compreender que não há nem acima nem abaixo no espaço, que o céu não está acima das nuvens, nem limitado pelas estrelas? Antes do progresso da ciência psicológica teriam eles podido identificar-se com a vida espiritual? Conceber, após a morte, uma vida feliz ou infeliz, de outro modo que não num lugar circunscrito e sob uma forma material? Não; compreendendo mais pelos sentidos do que pelo pensamento, o universo era demasiado vasto para seu cérebro; era preciso reduzi-lo a proporções menores para colocá-lo sob seu ponto de vista, sob a condição de estendê-lo mais tarde. Uma revelação parcial tinha sua utilidade; ela era sábia então, hoje é insuficiente. O erro é daqueles que, não levando em conta o progresso das ideias, creem poder governar homens maduros como se fossem crianças. (Ver Evangelho segundo o Espiritismo, cap. III)


[1] Ptolomeu vivia em Alexandria no Egito, no segundo século da era cristã.
[2] Do grego pur ou pyr, fogo.
[3] Veja-se a nota, cap. I, nº 3, nota 1.
 
 Visto em http://ipeak.net/ - 18/05/2017

quarta-feira, 17 de maio de 2017

PEDIDO DE AJUDA. . .

Um dia, fomos agraciados pela Misericórdia Divina, com a incumbência de abrirmos uma Casa Espírita...

Alugamos um salão e a inauguramos no dia 18 de Abril de 2008...

Nove anos já transcorreram e, apesar das muitas atribuições e dificuldades, conseguimos adquirir um terreno em bairro próximo, para construirmos nossa nova sede definitiva...

Agora, com todos os projetos exigidos pela lei, daremos início à nossa construção...

Contamos já com várias iniciativas de pessoas que querem se doar e a doarem materiais necessários para tal...

Notamos, porém, que falta você como doador de alguma espécie, para complementar nossas necessidades.

Está convidado a participar desta Campanha de Arrecadação, através de Depósito Bancário, na Caixa Econômica Federal, Agência 0321 – 013 – 023816–0 – IEEAK – Instituto de Estudos Espíritas “Allan Kardec”.

Pela tua atenção e generosidade, agradecemos antecipadamente...

A DIREÇÃO

quinta-feira, 11 de maio de 2017

Flageolet, Espírito mistificador


(Revista Espírita, março de 1868)

 
 
      O fato seguinte nos é relatado por um dos nossos correspondentes de Maine-et-Loire, o Sr. doutor E. Champneuf. Embora o fato em si não saia do círculo dos fenômenos conhecidos de manifestações físicas, é instrutivo porque prova, uma vez mais, a diversidade dos tipos que se encontram no mundo invisível, e que aí entrando certos Espíritos não se despojam imediatamente de seu caráter. É o que se ignorava, antes que o Espiritismo nos tivesse posto em relação com os habitantes desse mundo. Eis o relato que nos é dirigido:
 
"Permiti-me dar-vos a conhecer um fato assaz curioso, não de um transporte, mas de uma subtração por um Espírito, produzida há oito dias em nosso meio.
 
Há um Espírito que há muitos anos frequenta nosso grupo de Saumur, que há algum tempo se fez ainda mais familiar do nosso grupo de Vernantes. Ele disse chamar-se Flageolet, mas nosso médium, pelo qual ele se fez reconhecer, e que com efeito o conheceu quando vivia no mundo, nos disse que ele tinha o nome de Biron, violinista medíocre, muito corajoso, vivedor, correndo tascas onde fazia as pessoas dançarem. É um Espírito leviano, mistificador, mas não é mau.
 
Então, Flageolet instalou-se em casa de meu irmão, onde se fazem as sessões. E os almoços e jantares são alegrados pelas árias tocadas que lhe pedem ou não lhe pedem, felizes quando os copos e os pratos não são virados por sua jovialidade turbulenta.
 
Há oito dias o meu irmão, que fuma muito, tinha, como de costume, sua tabaqueira a seu lado, sobre a mesa e, como também de costume, Flageolet assistia ao jantar de família. Depois de tocadas algumas árias e marchas, o Espírito se pôs a tocar a canção:J’ai du bon tabac dans ma tabatière (Tenho bom tabaco em minha tabaqueira). Nesse momento meu irmão procurou a sua, que não estava mais ao seu lado. Ele passeou o olhar ao seu redor, revistou os bolsos, nada. A mesma canção continua com mais animação; ele se levanta, examina a mesinha da lareira, os móveis, leva a investigação até os cômodos vizinhos e a canção da tabaqueira, cantada com mais vigor, o persegue com redobrada zombaria, à medida que ele se afasta e se anima em suas buscas. Se ele se aproxima da lareira, as batidas se tornam mais fortes e rápidas. Enfim o procurador, aborrecido por essa harmonia impiedosa, pensa em Flageolet e lhe diz:
 
─ Foste tu que tiraste minha tabaqueira?
─ Sim.
─ Queres devolvê-la? 
─ Sim.
─ Então fala!
 
Tomaram o alfabeto e um lápis e o Espírito ditou: “Eu a lancei no fogo.” Remexem as cinzas quentes e encontram, no fundo da lareira, a tabaqueira cujo pó estava calcinado.
 
Todos os dias há alguma surpresa de sua parte ou alguma traquinada à sua maneira. Há três dias ele nos revelou o conteúdo de um cesto bem afivelado que acabara de chegar.
 
Ontem à noite era uma nova malícia contra meu irmão. Este, durante o dia, entrando em casa, procurou o boné que usa no interior e, não encontrando, decidiu não pensar mais no caso. À noite Flageolet, sem dúvida aborrecido de executar canções sem que lhe dessem atenção, e sem que pensassem em interrogá-lo, pediu para escrever. Pusemo-nos à sua disposição e ele ditou:
 
─ Eu afanei o teu barrete.
─ Queres dizer-me onde ele está?
─ Sim.
─ Onde o meteste?
─ Eu o dei a Napoleão.
 
Persuadidos de que era outra piada do Espírito, perguntamos:
 
─ Qual?
─ O teu.
 
Há muitos anos há uma estátua de Napoleão I, de tamanho médio, na sala onde fazemos as nossas sessões. Dirigimo-nos para a estátua, com a lâmpada na mão, e encontramos o boné desaparecido, que cobria o pequeno chapéu histórico.”
 
OBSERVAÇÃO: Tudo no Espiritismo é assunto de estudo para o observador sério; os fatos aparentemente insignificantes têm sua causa, e essa causa pode ligar-se aos mais importantes princípios. As grandes leis da Natureza não se revelam no menor inseto como no animal gigantesco? No grão de areia que cai, como no movimento dos astros? O botânico despreza uma flor porque é humilde e sem brilho? Dá-se o mesmo na ordem moral, onde tudo tem o seu valor filosófico, como na ordem física tudo tem seu valor científico.
 
Ao passo que certas pessoas não verão no fato acima relatado senão uma coisa curiosa, divertida, um assunto de distração, outros aí verão uma aplicação da lei que rege a marcha progressiva dos seres inteligentes e colherão um ensinamento. Sendo o mundo invisível o meio onde fatalmente desemboca a Humanidade, nada do que pode ajudar a torná-lo conhecido poderia ser indiferente. O mundo corporal e o mundo espiritual, desaguando incessantemente um no outro, pelas mortes e pelos nascimentos, se explicam um pelo outro. Eis uma das grandes leis reveladas pelo Espiritismo.
 
O caráter desse Espírito não é o de uma criança traquinas? Contudo, em vida era um homem feito e até de uma certa idade. Certos Espíritos voltariam, então, a ser crianças? Não; o Espírito realmente adulto não volta atrás, assim como o rio não remonta à sua fonte. Mas a idade do corpo não é absolutamente um indício da idade do Espírito. Como é necessário que todos os Espíritos que se encarnam passem pela infância corporal, resulta que em corpos de crianças se encontrem, forçosamente, Espíritos adiantados. Ora, se esses Espíritos morrem prematuramente, revelam sua superioridade a partir do momento que se despojaram de seu envoltório. Pela mesma razão, um Espírito jovem, espiritualmente falando, não podendo chegar à maturidade no curso de uma existência, que é menos que uma hora em relação à vida do Espírito, um corpo adulto pode encerrar um Espírito criança, pelo caráter e pelo desenvolvimento moral.
 
Incontestavelmente Flageolet pertence a esta última categoria de Espíritos. Ele avançará mais rapidamente que outros, porque apenas tem em si a leviandade, e no fundo não é mau. O meio sério no qual se manifesta, o contato com homens esclarecidos, amadurecerão suas ideias. Sua educação é uma tarefa que lhes incumbe, ao passo que nada teria ganho com pessoas fúteis, que se teriam divertido com suas facécias, como com as de um palhaço.


 Visto em http://ipeak.net/ - 10/05/2017

quarta-feira, 3 de maio de 2017

Assassinato do Sr. Poinsot

 
(Revista Espírita, março de 1861)
 
 
O mistério que ainda cerca esse deplorável acontecimento fez muita gente pensar que evocando o Espírito da vítima poder-se-ia conhecer a verdade. Numerosas cartas nos foram mandadas a respeito, e como a questão é sobre um princípio de certa gravidade, julgamos útil dar a conhecer a resposta a todos os nossos leitores.

Jamais fazendo do Espiritismo objeto de curiosidade, não tínhamos pensado em evocar o Sr. Poinsot. Não obstante, a pedido insistente de um dos nossos correspondentes que havia tido uma comunicação supostamente dele, e que desejava saber por nós se a mesma era autêntica, tentamos fazê-lo há poucos dias. Conforme nosso hábito, perguntamos ao nosso guia espiritual se tal evocação era possível e se tinha sido ele mesmo que se havia manifestado ao nosso correspondente. Eis as respostas obtidas:

─ “O Sr. Poinsot não pode responder ao vosso apelo. Ele ainda não se comunicou com ninguém. Deus o proíbe no momento.”
 
1. ─ Pode-se saber o motivo?

─ Sim. Porque revelações desse gênero influenciariam a consciência dos juízes, que devem agir com toda a liberdade.
 
2. ─ Contudo, essas revelações, esclarecendo os juízes, talvez pudessem evitar erros lamentáveis e até irreparáveis.

─ Não é por esse meio que eles devem ser esclarecidos. Deus lhes quer deixar a inteira responsabilidade de suas sentenças, como se deixa a cada um a responsabilidade de seus atos; também não lhes quer poupar o trabalho das pesquisas nem o mérito de havê-las feito.
 
3. ─ Mas, na falta de informações suficientes, pode um culpado escapar à justiça?

─ Credes que escape à justiça de Deus? Se deve ser ferido pela justiça dos homens, Deus saberá fazê-lo cair nas mãos deles.
 
4. ─ Seja, quanto ao culpado; mas se um inocente fosse condenado, não seria um grande mal?

─ Deus julga em última instância, e o inocente condenado injustamente pelos homens terá a sua reabilitação. Aliás, essa condenação pode ser para ele uma prova útil ao seu adiantamento. Mas, por vezes, também pode ser a justa punição de um crime da qual terá escapado em outra existência.
 
“Lembrai-vos de que os Espíritos têm por missão vos instruir na via do bem, e não aplainar o caminho terreno, deixado a cargo de vossa inteligência. Afastando-vos do fim providencial do Espiritismo, exponde-vos a serdes enganados pela turba de Espíritos mentirosos que se agitam incessantemente em torno de vós.”

Depois da primeira resposta, os assistentes discutiam sobre os motivos da interdição e, como que para justificar o princípio, um Espírito fez o médium escrever: Eu vou trazê-lo... ei-lo! Pouco depois: “Como sois amáveis em querer conversar comigo! Isto me é muito agradável, pois tenho muitas coisas a vos dizer.” Esta linguagem pareceu suspeita, da parte de um homem como o Sr. Poinsot, e sobretudo à vista da resposta que havíamos recebido, por isso pediram-lhe que atestasse sua identidade em nome de Deus. Então o Espírito escreveu: “Meu Deus, não posso mentir. Contudo, gostaria muito conversar com tão amável sociedade, mas não me quereis. Adeus.” Foi então que o nosso guia espiritual acrescentou: “Eu vos disse que aquele Espírito não pode responder esta noite. Deus o proíbe de manifestar-se. Se insistirdes, sereis enganados.”
 
OBSERVAÇÃO: É evidente que se os Espíritos pudessem poupar pesquisas aos homens, estes não mais se dariam ao trabalho de descobrir a verdade, pois ela lhes chegaria por si mesma. Assim, o mais preguiçoso poderia sabê-la tanto quanto o mais laborioso, o que não seria justo. Isto é um princípio geral. Aplicado ao Sr. Poinsot, não é menos evidente que se o Espírito declarasse um indivíduo inocente ou culpado e os juízes não achassem provas suficientes de uma ou da outra afirmação, sua consciência ficaria perturbada, e que a opinião pública poderia desviar-se por prevenções injustas. Não sendo perfeito o homem, devemos concluir que Deus sabe melhor do que ele o que lhe deve ser revelado ou oculto. Se uma revelação deve ser feita por meios extra-humanos, Deus lhe sabe dar um cunho de autenticidade capaz de levantar todas as dúvidas, como testemunha o fato seguinte:

Na vizinhança das minas, no México, uma fazenda tinha sido incendiada. Numa reunião onde cuidavam de manifestações espíritas (há diversas naquele país, onde provavelmente ainda não chegaram os artigos do Sr. Deschanel, por isso lá eles se acham tão atrasados); numa reunião, dizíamos, um Espírito se comunicava por batidas. Ele diz que o culpado está entre os assistentes. A princípio duvidam, crendo numa mistificação. O Espírito insiste e designa um dos indivíduos presentes. Eles se espantam. Este se dissimula, mas o Espírito parece insistir, e o faz tão bem que prendem o homem que, premido por perguntas, acaba confessando o crime. Como se vê, os culpados não devem confiar na discrição dos Espíritos que, às vezes, são os instrumentos de Deus para os castigar. Como o Sr. Figuier explicaria tal fato? É intuição, hipnotismo, biologia, superexcitação do cérebro, concentração do pensamento, alucinação, que ele admite sem crer na independência do Espírito e da matéria? Conciliai tudo isto, se puderdes. Sua própria solução é um problema e deveria ele dar a solução da sua solução. Mas, por que um Espírito não daria a conhecer o assassino do Sr. Poinsot, como fez com aquele incendiário? Pedi, então, contas a Deus de suas ações. Perguntai ao Sr. Figuier, que julga saber mais do que Ele. 

Allan Kardec


Visto em http://ipeak.net/ - 03/05/2017