quinta-feira, 11 de maio de 2017

Flageolet, Espírito mistificador


(Revista Espírita, março de 1868)

 
 
      O fato seguinte nos é relatado por um dos nossos correspondentes de Maine-et-Loire, o Sr. doutor E. Champneuf. Embora o fato em si não saia do círculo dos fenômenos conhecidos de manifestações físicas, é instrutivo porque prova, uma vez mais, a diversidade dos tipos que se encontram no mundo invisível, e que aí entrando certos Espíritos não se despojam imediatamente de seu caráter. É o que se ignorava, antes que o Espiritismo nos tivesse posto em relação com os habitantes desse mundo. Eis o relato que nos é dirigido:
 
"Permiti-me dar-vos a conhecer um fato assaz curioso, não de um transporte, mas de uma subtração por um Espírito, produzida há oito dias em nosso meio.
 
Há um Espírito que há muitos anos frequenta nosso grupo de Saumur, que há algum tempo se fez ainda mais familiar do nosso grupo de Vernantes. Ele disse chamar-se Flageolet, mas nosso médium, pelo qual ele se fez reconhecer, e que com efeito o conheceu quando vivia no mundo, nos disse que ele tinha o nome de Biron, violinista medíocre, muito corajoso, vivedor, correndo tascas onde fazia as pessoas dançarem. É um Espírito leviano, mistificador, mas não é mau.
 
Então, Flageolet instalou-se em casa de meu irmão, onde se fazem as sessões. E os almoços e jantares são alegrados pelas árias tocadas que lhe pedem ou não lhe pedem, felizes quando os copos e os pratos não são virados por sua jovialidade turbulenta.
 
Há oito dias o meu irmão, que fuma muito, tinha, como de costume, sua tabaqueira a seu lado, sobre a mesa e, como também de costume, Flageolet assistia ao jantar de família. Depois de tocadas algumas árias e marchas, o Espírito se pôs a tocar a canção:J’ai du bon tabac dans ma tabatière (Tenho bom tabaco em minha tabaqueira). Nesse momento meu irmão procurou a sua, que não estava mais ao seu lado. Ele passeou o olhar ao seu redor, revistou os bolsos, nada. A mesma canção continua com mais animação; ele se levanta, examina a mesinha da lareira, os móveis, leva a investigação até os cômodos vizinhos e a canção da tabaqueira, cantada com mais vigor, o persegue com redobrada zombaria, à medida que ele se afasta e se anima em suas buscas. Se ele se aproxima da lareira, as batidas se tornam mais fortes e rápidas. Enfim o procurador, aborrecido por essa harmonia impiedosa, pensa em Flageolet e lhe diz:
 
─ Foste tu que tiraste minha tabaqueira?
─ Sim.
─ Queres devolvê-la? 
─ Sim.
─ Então fala!
 
Tomaram o alfabeto e um lápis e o Espírito ditou: “Eu a lancei no fogo.” Remexem as cinzas quentes e encontram, no fundo da lareira, a tabaqueira cujo pó estava calcinado.
 
Todos os dias há alguma surpresa de sua parte ou alguma traquinada à sua maneira. Há três dias ele nos revelou o conteúdo de um cesto bem afivelado que acabara de chegar.
 
Ontem à noite era uma nova malícia contra meu irmão. Este, durante o dia, entrando em casa, procurou o boné que usa no interior e, não encontrando, decidiu não pensar mais no caso. À noite Flageolet, sem dúvida aborrecido de executar canções sem que lhe dessem atenção, e sem que pensassem em interrogá-lo, pediu para escrever. Pusemo-nos à sua disposição e ele ditou:
 
─ Eu afanei o teu barrete.
─ Queres dizer-me onde ele está?
─ Sim.
─ Onde o meteste?
─ Eu o dei a Napoleão.
 
Persuadidos de que era outra piada do Espírito, perguntamos:
 
─ Qual?
─ O teu.
 
Há muitos anos há uma estátua de Napoleão I, de tamanho médio, na sala onde fazemos as nossas sessões. Dirigimo-nos para a estátua, com a lâmpada na mão, e encontramos o boné desaparecido, que cobria o pequeno chapéu histórico.”
 
OBSERVAÇÃO: Tudo no Espiritismo é assunto de estudo para o observador sério; os fatos aparentemente insignificantes têm sua causa, e essa causa pode ligar-se aos mais importantes princípios. As grandes leis da Natureza não se revelam no menor inseto como no animal gigantesco? No grão de areia que cai, como no movimento dos astros? O botânico despreza uma flor porque é humilde e sem brilho? Dá-se o mesmo na ordem moral, onde tudo tem o seu valor filosófico, como na ordem física tudo tem seu valor científico.
 
Ao passo que certas pessoas não verão no fato acima relatado senão uma coisa curiosa, divertida, um assunto de distração, outros aí verão uma aplicação da lei que rege a marcha progressiva dos seres inteligentes e colherão um ensinamento. Sendo o mundo invisível o meio onde fatalmente desemboca a Humanidade, nada do que pode ajudar a torná-lo conhecido poderia ser indiferente. O mundo corporal e o mundo espiritual, desaguando incessantemente um no outro, pelas mortes e pelos nascimentos, se explicam um pelo outro. Eis uma das grandes leis reveladas pelo Espiritismo.
 
O caráter desse Espírito não é o de uma criança traquinas? Contudo, em vida era um homem feito e até de uma certa idade. Certos Espíritos voltariam, então, a ser crianças? Não; o Espírito realmente adulto não volta atrás, assim como o rio não remonta à sua fonte. Mas a idade do corpo não é absolutamente um indício da idade do Espírito. Como é necessário que todos os Espíritos que se encarnam passem pela infância corporal, resulta que em corpos de crianças se encontrem, forçosamente, Espíritos adiantados. Ora, se esses Espíritos morrem prematuramente, revelam sua superioridade a partir do momento que se despojaram de seu envoltório. Pela mesma razão, um Espírito jovem, espiritualmente falando, não podendo chegar à maturidade no curso de uma existência, que é menos que uma hora em relação à vida do Espírito, um corpo adulto pode encerrar um Espírito criança, pelo caráter e pelo desenvolvimento moral.
 
Incontestavelmente Flageolet pertence a esta última categoria de Espíritos. Ele avançará mais rapidamente que outros, porque apenas tem em si a leviandade, e no fundo não é mau. O meio sério no qual se manifesta, o contato com homens esclarecidos, amadurecerão suas ideias. Sua educação é uma tarefa que lhes incumbe, ao passo que nada teria ganho com pessoas fúteis, que se teriam divertido com suas facécias, como com as de um palhaço.


 Visto em http://ipeak.net/ - 10/05/2017

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