(Revista Espírita, setembro de 1864 - Estudos morais)
Escrevem de Brunswick para o Pays:
“Uma camponesa dos arredores de Lutter acaba de dar à luz uma criança com todas as aparências de um macaco, pois o corpo é quase inteiramente coberto de pelos negros e em tufos, e nem o rosto está isento dessa estranha vegetação.
Casada há doze anos e, posto que admiravelmente conformada, essa infeliz senhora ainda não deu à luz um só filho que não fosse acometido por enfermidades mais ou menos horríveis.
Sua filha mais velha, de dez anos, é completamente corcunda, e seu rosto parece copiado, traço por traço, do rosto de Polichinelo. Seu segundo filho é um garoto de sete anos; ele tem as pernas aleijadas. A terceira, que vai completar cinco anos, é surda-muda e idiota. Enfim a quarta, de dois anos e meio, é completamente cega.
Qual pode ser a causa desse estranho fenômeno? Eis um ponto que a Ciência deve esclarecer.
O pai é um homem perfeitamente constituído e tem todas as aparências da mais robusta saúde e nada pode explicar a espécie de fatalidade que pesa sobre a sua raça.”
(Moniteur, 29 de julho de 1864).
“Eis um ponto que a Ciência deve esclarecer”, diz o jornal. Há muitos outros fatos ante os quais a Ciência fica impotente, sem contar os de Morzine e de Poitiers. A razão disto é muito simples. É que ela se obstina em não procurar as causas senão na matéria, e não leva em conta senão as leis que ela conhece.
A respeito de certos fenômenos, ela está na posição em que se encontraria se não tivesse saído da física de Aristóteles; se tivesse desconhecido a lei da gravitação ou a da eletricidade; onde se achou a religião, enquanto desconheceu a lei do movimento dos astros; onde estão ainda hoje os que desconhecem a lei geológica da formação do globo.
Duas forças partilham o mundo: o espírito e a matéria. O espírito tem as suas leis, como a matéria tem as dela. Ora, reagindo essas duas forças incessantemente uma sobre a outra, disso resulta que certos fenômenos materiais têm como causa a ação do espírito e que umas não podem ser perfeitamente compreendidas se as outras não forem levadas em conta. Fora das leis tangíveis, portanto, há uma outra que desempenha no mundo um papel capital, é a das relações entre os mundos visível e invisível. Quando a Ciência reconhecer a existência dessa lei, aí encontrará a solução de uma infinidade de problemas contra os quais se choca inutilmente.
As monstruosidades, como todas as enfermidades congênitas, sem dúvida têm uma causa fisiológica, que é da alçada da Ciência material. Mas, supondo que esta venha a surpreender o segredo desses desvios da Natureza, restará sempre o problema da causa primeira e a conciliação do fato com a justiça divina. Se a Ciência disser que isto não é da sua alçada, o mesmo não poderá dizer a religião. Quando a Ciência demonstra a existência de um fato, incumbe à religião o dever de aí procurar a prova da soberana sabedoria. Jamais sondou ela, do ponto de vista da divina equidade, o mistério dessas existências anormais? Dessas fatalidades que parecem perseguir certas famílias, sem causas atuais conhecidas? Não, porque ela sente sua própria impotência e se apavora com essas questões terríveis para seus dogmas absolutos. Até hoje haviam aceito o fato sem ir mais longe, mas hoje pensam, refletem, querem saber; interrogam a Ciência, que procura nas fibras e fica muda; interrogam a religião, que responde: Mistério impenetrável!
Pois bem! O Espiritismo vem rasgar esse mistério e dele fazer sair a deslumbrante justiça de Deus. Ele prova que essas almas deserdadas desde o nascimento neste mundo já viveram e que elas expiam, em corpos disformes, suas faltas passadas. Demonstra a observação, e a razão o diz, porque não se poderia admitir que sejam castigadas ao sair das mãos do Criador, quando ainda nada fizeram.
Tudo bem, dirão, para o ser que nasce assim. Mas, os pais? Mas essa mãe que dá à luz apenas seres desgraçados; que é privada da alegria de ter um só filho que lhe faça honra e que possa mostrar com orgulho? A isso responde o Espiritismo: Justiça de Deus, expiação, prova para sua ternura materna, porque é uma prova, e bem grande, só ver em torno de si pequenos monstros em vez de crianças graciosas. E ele acrescenta: Não há uma única infração das leis de Deus que mais cedo ou mais tarde não tenha suas funestas consequências, na Terra ou no mundo dos Espíritos, nesta vida ou na seguinte. Pela mesma razão, não há uma só vicissitude da vida que não seja consequência e punição de uma falta passada, e assim será para cada um, enquanto não se tiver arrependido, enquanto não houver expiado e reparado o mal que ele fez. Ele volta à Terra para expiar e reparar. Cabe a ele melhorar-se bastante aqui embaixo para não mais voltar como condenado. Muitas vezes Deus se serve daquele que é punido para punir outros. É assim que os Espíritos dessas crianças, devendo, como punição, encarnar-se em corpos disformes, são, independentemente de sua vontade, instrumentos de expiação para a mãe que os deu à luz. Essa justiça distributiva, proporcional à duração do mal, vale mais que a das penas eternas, irremissíveis, que encerram para sempre a via do arrependimento e da reparação.
O fato acima foi lido na Sociedade Espírita de Paris, como assunto de estudo filosófico, e um Espírito deu a seguinte explicação:
(Sociedade de Paris, 29 de julho de 1864)
Se pudésseis ver os dispositivos ocultos que movem o vosso mundo, compreenderíeis como tudo se encadeia, desde as menores coisas às maiores; compreenderíeis, sobretudo, a ligação íntima existente entre o mundo físico e o mundo moral, essa grande lei da Natureza; veríeis a multidão de inteligências que presidem a todos os fatos e os utilizam para que sirvam à realização dos desígnios do Criador. Suponde-vos um instante ante uma colmeia cujas abelhas fossem invisíveis. O trabalho que veríeis realizar-se diariamente vos causaria admiração, e talvez exclamásseis: Singular efeito do acaso! Pois bem! Realmente estais em presença de um atelier imenso, conduzido por inumeráveis legiões de operários para vós invisíveis, dos quais uns são trabalhadores manuais, que obedecem e executam, ao passo que outros comandam e dirigem, cada um na sua esfera de atividade proporcional ao seu desenvolvimento e ao seu adiantamento e, assim, de degrau em degrau, até a vontade suprema, que tudo impulsiona.
Assim se explica a ação da Divindade nos mais ínfimos detalhes. Como os soberanos da Terra, Deus tem os ministros, e esses têm seus agentes subalternos, engrenagens secundárias do grande governo do Universo. Se, num país bem administrado, a última cabana sente os efeitos da sabedoria e da solicitude do chefe de Estado, quanto não deve a infinita sabedora do Altíssimo estender-se aos menores detalhes da criação!
Não creiais, pois, que essa mulher de que acabais de falar seja vítima do acaso ou de uma cega fatalidade. Não. O que lhe acontece tem sua razão de ser, ficai bem convencidos. Ela é castigada no seu orgulho; ela desprezou os fracos e os enfermos; ela foi dura para com os seres infelizes, dos quais desviava os olhos com repugnância, em vez de envolvê-los com um olhar de comiseração; ela envaideceu-se da beleza física de seus filhos, à custa de mães menos favorecidas; ela mostrava-os com orgulho, porque a seus olhos a beleza do corpo valia mais que a da alma; assim, ela neles desenvolveu vícios que lhes retardaram o avanço, em vez de desenvolver as qualidades de coração. Deus permitiu que em sua existência atual ela só tivesse filhos disformes, para que a ternura materna a ajudasse a vencer sua repugnância pelos infelizes. Para ela, portanto, é uma punição e um meio de adiantamento. Entretanto, nessa punição, brilham, ao mesmo tempo, a justiça e a bondade de Deus, que castiga com uma mão e com a outra incessantemente dá ao culpado os meios de se resgatar.
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