quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

O Pai Crépin - Conversas familiares de além-túmulo


(Sociedade Espírita de Paris, 2 de setembro de 1859)


Recentemente os jornais anunciaram a morte de um homem que vivia em Lyon, onde era conhecido pela alcunha de Pai Crépin. Era multimilionário e de uma avareza pouco comum. Nos últimos tempos de sua vida fora morar com o casal Favre, que tinha assumido a obrigação de alimentá-lo mediante trinta cêntimos por dia, feita a dedução de dez cêntimos para o seu tabaco. Ele possuía nove casas e antes morava em uma delas, numa espécie de nicho que tinha mandado construir debaixo da escada. Na ocasião de receber os aluguéis, arrancava cartazes das ruas e os utilizava para fazer os recibos. O decreto municipal que prescrevia a caiação das casas lhe causava um tremendo desespero; inutilmente fez diligências com o objetivo de conseguir isenção. Gritava que estava arruinado. Se tivesse uma só casa, ter-se-ia resignado, mas, acrescentava, ele tinha nove.

1. (Evocação).

─ Eis-me aqui. Que quereis de mim? Oh! Meu ouro! Meu ouro! Que fizeram dele?

2. ─ Tendes saudades da vida terrena?

─ Oh! Sim!

3. ─ Por que tendes saudades?

─ Não posso mais tocar no meu ouro, contá-lo e guardá-lo.

4. ─ Em que empregais o vosso tempo?

─ Ainda estou muito preso à Terra e é difícil arrepender-me.

5. ─ Vindes muitas vezes rever o vosso querido tesouro e as vossas casas?

─ Tantas vezes quanto posso.

6. ─ Quando vivo nunca pensastes que não levaríeis nada disto para o outro mundo?

─ Não. Minha única ideia estava ligada às riquezas, visando acumulá-las. Jamais pensei em separar-me delas.

7. ─ Qual era o vosso objetivo amontoando essas riquezas que não serviam para nada, nem para vós mesmo, pois vivíeis em privações?

─ Eu experimentava a volúpia de tocá-las.

8. ─ De onde vos vinha tão sórdida avareza?

─ Do prazer experimentado por meu Espírito e por meu coração por ter muito dinheiro. Aqui na Terra não tive outra paixão.

9. ─ Compreendeis que era avareza?

─ Sim, compreendo agora que eu era um miserável. Entretanto, meu coração ainda é muito terreno e ainda experimento certo prazer em ver o meu ouro. Mas não posso apalpá-lo, e isto é um começo de punição na vida em que estou.

10. ─ Não experimentáveis nenhum sentimento de compaixão pelos infelizes que sofriam na miséria? Nunca vos ocorreu a ideia de aliviá-los?

─ Por que eles não tinham dinheiro? Pior para eles!

11. ─ Tendes lembrança da vossa existência anterior a esta que acabais de deixar?

─ Sim, eu era pastor, muito infeliz de corpo, mas feliz de coração.
12. ─ Quais foram os vossos primeiros pensamentos, quando vos reconhecestes no mundo dos Espíritos?

─ Meu primeiro pensamento foi o de procurar as minhas riquezas e, sobretudo, o meu ouro. Quando não vi mais do que o espaço, senti-me muito infeliz. Meu coração ficou dilacerado e o remorso começou a apoderar-se de mim. Parece que quanto mais tempo se passar, mais sofrerei por minha avareza terrena.

13. ─ Qual é agora a consequência de vossa vida terrena?

─ Inútil para os meus semelhantes, inútil diante da eternidade, mas infeliz para mim perante Deus.

14. ─ Podeis prever uma nova existência corpórea?

─ Não sei.

15. ─ Se devêsseis ter brevemente uma nova existência corpórea, qual escolheríeis?

─ Escolheria uma existência em que pudesse tornar-me útil aos meus semelhantes.

16. ─ Quando vivo não tínheis amigos na Terra, pois um avarento como vós não pode tê-los. Tende-os entre os Espíritos?

─ Jamais rezei por alguém. Meu anjo da guarda, a quem muito ofendi, é o único que tem compaixão de mim.

17. ─ Ao entrar no mundo dos Espíritos, alguém vos veio receber?

─ Sim, minha mãe.

18. ─ Já fostes evocado por outras pessoas?

─ Uma vez, por uma pessoa a quem maltratei.

19. ─ Não estivestes na África, num centro onde se ocupam com os Espíritos?

─ Sim, mas toda aquela gente não tinha nenhuma pena de mim. Isto é muito triste. Aqui sois compassivos.

20. ─ Nossa evocação vos será proveitosa?

─ Muito.

21. ─ Como adquiristes fortuna?

─ Ganhei um pouco honestamente, mas explorei muito e roubei um pouco dos meus semelhantes.

22. ─ Podemos fazer alguma coisa por vós?

─ Sim. Um pouco de vossa compaixão para uma alma em sofrimento.



(Sociedade Espírita de Paris, 9 de setembro de 1859)

Perguntas dirigidas a São Luís a respeito do Pai Crépin


1. ─ O Pai Crépin que evocamos recentemente era um tipo raro de avareza. Não nos pôde dar explicações sobre a fonte de sua paixão. Teríeis a bondade de no-las ministrar? Ele nos disse que tinha sido pastor, muito infeliz de corpo, mas feliz de coração. Nada vemos nisso que lhe pudesse desenvolver esta avareza sórdida. Poderíeis dizer-nos o que provocou o seu começo?

─ Ele era ignorante e inexperiente. Pediu a riqueza e ela lhe foi concedida, mas como punição para o seu pedido. Tende certeza de que ele não a pedirá mais.

2. ─ O Pai Crépin nos oferece o tipo da avareza ignóbil, mas essa paixão tem gradações. Assim, há pessoas que só são avarentas para os outros. Perguntamos qual é o mais culpável: aquele que acumula pelo prazer de acumular e se priva até do necessário, ou aquele que, de nada se privando é avaro quando se trata do menor sacrifício pelo próximo?

─ É evidente que o último é mais culpado, porque é profundamente egoísta. O primeiro é louco.

3. ─ Nas provas que deve sofrer para chegar à perfeição, deve o Espírito passar por todos os gêneros de tentação? Poder-se-ia dizer que, para o Pai Crépin, a vez da avareza chegou por meio das riquezas que estavam à sua disposição, e que ele sucumbiu?

─ Isto não é regra geral, mas é exato no seu caso particular. Sabeis que há muitos que desde o começo tomam um caminho que os exime de muitas provas.


Visto em http://ipeak.net/ - 08/02/2017
 
 

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